terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Teoria das janelas quebradas




  Visitei algumas pessoas em um bairro chamado Brasília. As ruelas esburacadas, intransitáveis, abandonadas, denunciavam o descaso do poder público. A miséria material daquele povo, tanto de subsistência pessoal e familiar como de infraestrutura do bairro, certamente abala o conceito subjetivo de dignidade que essas pessoas têm de si mesmas. Flagrando-se a todo instante esquecidas, excluídas, relegadas, não demora a se assumirem como tal. De resto, não é de estranhar, as mazelas que decorrem desse quadro. 

    Lembrei-me da teoria das janelas quebradas. Tendo sido feitas experiências, constatou-se que pequenos deslizes éticos, digamos assim, estavam intrinsecamente relacionados aos cuidados materiais das ruas, das casas, dos terrenos baldios, do lixo. De tal forma, no mesmo bairro, quando deixava-se propositadamente a imundície acumular, cresciam consideravelmente os pequenos delitos, que obviamente tendiam a se agravar se nada fosse feito. No entanto, as pessoas eram as mesmas.

    Pude ver a lógica dessa teoria fazendo efeito no bairro Brasília que visitei.


Que custa quebrar mais uma só por diversão? Ninguém está ligando mesmo.


domingo, 29 de janeiro de 2012

Estranha mania

Palavras do João 14.

Olha só que achado.

Sabemos que os filhos do Seu Aristeu foram "marcados na paleta" e o hábito de escrever e ler foram, e são, uma constante nesta trajetória. Eis que, conversando aqui e ali, e dando um vistaço na tal da internet e buscando a informação correta direto da fonte descobri que essa "estranha mania" se estendeu para outros ramos da família, nossos primos. 

Pois, com alegria te apresento: Andréia dos Santos Werle, filha da nossa prima Téia, neta do Tio Tinzo

Olha só a prosa da guria:


Ela

"Ela acorda na madrugada sem saber a hora certa.
Nem importa.
Está ali, sozinha.
Ela e seus demônios.
Seus medos.


Não tem para onde fugir,
para onde correr.
Precisa enfrentar ou se entregar.
E eles a atraem como um amante.


Sozinha no quarto,
olha no espelho.
Tão jovem e tão velha,
ao mesmo tempo uma estranha aos próprios olhos,
sem vontade de lutar contra sua própria natureza.
Seu instinto de fêmea.
E, nas horas mortas da noite,
quando até os demônios se entregam
aos seus devaneios loucos,
ela se despe de seus preconceitos
e se revela como realmente é,
sem esmaltes,
sem retoques.
Só.


A noite sabe dos seus segredos,
dos seus desejos,
da sua alma impura,
da sua mente inquieta ...
quando a porta se abre ... ".

Andréia dos Santos Werle


sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Embriaguez de saudade

Aos amigos
Assis,
Carol e
Claudete.

As dores da perda de alguém tão próximo são sulcos esculpidos na alma. Feridas que não cicatrizam. Nos primeiros dias, tudo que buscamos são lapsos de lembranças, remoemos saudades,  revivemos momentos, saltamos do passado próximo ao passado remoto, abandonamos as coisas que nos cercam, consumimos toda nossa energia agarrados ao último calor, ao último suspiro. Não nos interessa o amanhã, os projetos, as vidas que ficaram. O vazio, o nada é tudo que temos agora. Não queremos emergir desse mergulho profundo, dessa embriaguez. Fazemos de nossos pensamentos cânticos de amor e saudade. Demoramos a perceber que morremos aos poucos. Que  as vidas que se vão das pessoas queridas levam pedaços de nossa alma. Precisamos reagir, querem os nossos, mas não temos força, nem vontade. Não envelhecemos pelo passar dos anos, mas pelas perdas acumuladas de quem amamos.

Na penumbra do quarto onde choramos, cansados, derrotados, vencidos, invade um raio de sol como a nos dizer que deu, que chega, que lá fora há coisas para disfarçar nossa tristeza.

Então, da janela de nosso quarto, percebemos que os carros passam, buzinam, param no sinal, prosseguem, tudo está tão disfarçadamente igual...

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

A lenda do Arroio do Engenho



A lenda do Arroio do Engenho



Reza a lenda...


Um casal apaixonado quis conhecer os segredos das cachoeiras de um certo arroio. Passaram próximo a um pinheiro secular e seguiram contra as águas. Avistaram a primeira cachoeira e a contornam pela esquerda, em direção à outra. Quando se aproximavam da segunda cachoeira, extasiados pela beleza de tudo que viam, não perceberam as pegadas de uma onça-pintada, talvez a última onça-pintada da Serra Catarinense. Assustados, distanciaram-se um do outro. Perderam-se na floresta. Da mulher, nunca mais se teve notícia. Do homem, sabe-se, que inconformado com a perda de seu grande amor, fez morada nas imediações das cachoeiras. Para sobrevivência, teria construído um engenho para auxiliá-lo na moagem de grãos.

Passaram-se os anos. As feições juvenis deram lugar a algumas rugas. Eram as marcas do tempo. Exceto seu amor que permanecia inabalado. Guardava em seu peito a esperança de reencontrar sua amada. Não passava dia que não contornasse a primeira cachoeira  e andasse em direção à segunda, esperando encontrá-la.

Um dia, quando um grupo de turistas chegou para visitar as já lendárias cachoeiras, este senhor pode ver nas feições de uma mulher as mesmas daquela jovem que outrora se perdera na floresta. Encontram-se. E viveram o resto de seus dias naquele lugar, que desde então ficou conhecido como Arroio do Engenho.

Diz a lenda que todo casal que faz a trilha das duas cachoeiras, contorna a primeira e anda em direção à segunda, fica extasiado pela beleza de tudo que vê, quando retorna, tem-se que jamais se separa, e seu amor sobreviverá pelo resto dos tempos. Porém, pode ocorrer de alguém se perder... mas não há mais a onça- pintada.

Relatos dão conta que teria sido a onça-pintada que conduziu a jovem mulher ao lugarejo mais próximo.

A lenda do Arroio do Engenho - fotos

Fotos - trilha gafanhotos


segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Kasparov vs Karpov




De um lado Karpov, russo, o queridinho da política russa, campeão mundial por 10 anos consecutivos, considerado por muitos como o maior jogador de todos os tempos; de outro, Kasparov, também russo, lider do movimento A outra Russia, oponente ao Vladimir Putin.

O ano é 1985.  Kasparov, 22 anos, movimenta as pretas, no 16º embate daquela disputa. Sua vitória, então, será considerada a melhor partida de todos os tempos. Onze anos depois, Deepe Blue, o supercomputador capaz de analisar 200 milhões de posições por segundo, fabricado pela IBM, derrotaria o grande campeão. A mente artificial, criatura da humanidade, supera o mais genial enxadrista que a espécie já teve. Era o ano de 1996. 




Estamos em 2012. De um lado Michele, não vou dizer a idade; de outro, Bárbara, idem.


O elenco, além das enxadristas acima: Clau, Marilu, Rute e Charles.

Sobe o pano para o primeiro ato.

Um rodízio de pastas, por conta da Diretoria. Quatro degustam vinho; uma, caipira; outra, cerveja. A graduação alcoólica está na razão inversa da idade, para a bebida mais forte. O restante segue a razão direta. Quem bebeu o quê?

Sobe o pano para o segundo ato.

Comentários aqui e ali sobre coisas de irmãos e familias. Mas houve um clímax: a alta costura para a posse.

Sobe o pano para o terceiro e último ato.

Uma enxadrista foi para um PUB, cidade vizinha, música, pessoas descoladas, acompanhamento etílico (C2,H6,O),  curtir as coisas boas da idade. Plano perfeito, não fosse um detalhe. O tal PUB estava fechado. A outra, tentou ler Borges, mas caiu na rede mundial.

Comentário de um figurante: "A melhor parte ocorreu nos bastidores".

E que a prometida viagem para a Serra Catarinense não vire lenda.

Pena que faltou o Nikolas.



sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Por instantes, foi um pouco feliz*


Níkolas e seus pais rumaram para o Farol. Já entardecia, logo pela manhã faria a estreia de sua prancha. Precisava inaugurá-la neste verão. Acompanhou alguns amigos surfando, havia chegado a sua vez. Era um sonho, um desejo. Olhava pensativo as paisagens que se moviam no horizonte. Tentava se desvencilhar daquele jogo virtual que absorvia todo o seu tempo. Noites inteiras, em posições desconfortáveis, naquela telinha. Se havia um mundo lá fora, talvez não soubesse.

Antes do alvorecer já estavam a caminho da primeira onda. A escuridão aos poucos se desintegrava, perdia a luta para a claridade, refletida nas águas misteriosas do mar. Assim a natureza ia cumprindo o seu mister e nosso herói agora compunha parte desse cenário.

O jeito desengonçado não deixava dúvidas. Níkolas, o aprendiz, estava diante da sua primeira onda. Não há atalhos de teclado, nem efe cinco, muito menos artifícios virtuais para ajudá-lo agora. Ou surfa, ou game over para ele.

Um tufão de água em seu rosto fê-lo sentir o gosto salgado da inexperiência. Perdeu o equilíbrio. Em câmara lenta seu corpo beijou o mar. Um beijo gelado. Os truques de World Warcraft, diante do perigo,  valem tanto quanto um  punhado de areia: nada. Um gole, dois, três, outros tantos. Níkolas se afogava. Em segundos, viu seu mundo invadido pelas águas traiçoeiras do mar.

De fato, havia um mundo lá fora, e tal mundo era hostil, percebia. Por sorte, a corda continuava presa em seu braço. Puxou, debateu-se, alcançou a prancha. Não foi nada, pensou, apenas caí, tentarei outra vez.

Por instantes, foi um pouco feliz.

* Os nomes foram mantidos para preservar a identidade. Fatos que coincidam com a realidade são meras tentativas.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Refém de um personagem


Todo humano nasce livre, é a defesa dos pressupostos de suas convicções que o torna refém. Só você pode pagar o preço do seu resgate.

Uns demoram um pouco mais, outros já nascem feitos, mas o fato é que cada um de nós se reveste de um certo personagem. Há o fanático por um clube de futebol. A segunda-feira desse personagem será feliz, impiedosamente triste ou sem graça na medida de uma vitória, derrota ou empate da sua paixão. Todas as coisas são insignificantes e secundárias, quando a pelota rola e num dos lados está a agremiação que fará tal personagem gritar, xingar e, por vezes, quase morrer de paixão ou de ódio. As cores predominantes de seu clube são símbolos sagrados. Estarão presentes em todas as coisas de sua vida. Não se encontram registros de pessoas que tenham se libertado desse tipo, aliás, o que se sabe é que no final...bem, no final tudo acaba.

Ah, birrento macaco, dirá alguém, fala como se não fosse um desses. Sei, sei, sei, mas antes dos sessenta estarei livre desse ópio. Pagarei o meu próprio resgate.

Aqui apenas o preâmbulo para o que vem adiante, um esquento, para usar termo atualizado.

Há o cético, o socialista, o comunista, o liberal, o conservador, o antissocial, o letrado, o crente conservador, este último, mais do que um pleonasmo, um caso especial, quase intocável...digo quase, pois viva a liberdade de expressão. Mas cuidado, veja lá o que pretende dizer. Ah, queria mesmo discorrer sobre as amarras ideológicas.

Depois...depois...tudo ao seu tempo.